3.8.09

Expressionistas


É preciso criar desvio, uma linguagem capaz de se lançar para fora da língua. Vida foi reduzida em método de comunicação, e só. Baleia não é água! Homem é mais gesto que discurso. Fala é motor, não matéria da existência.

Há quem diga que letras e números nos separam do mundo. Concordo. Passei anos brincando de separar palavras de coisas. O problema é que até o raciocínio está preso dentro das palavras... Matemática viciada de expressão, não foi inventada para o que somos, mas para o que aspiramos dizer.

Eu queria mesmo era saber como o mar se chamaria se pudesse falar.

3.7.09

Bom dia


Em frente da minha casa mora uma praça que é um relógio. Velocípedes e andores rodando, rodando. Crianças aprendem e velhos desaprendem a andar. Uma pessoa levanta, outra senta. Sombras mudam de lugar. Gente segura gente. Brinquedos riscam o chão. Uma senhora fica muito tempo sem fazer movimento. Velocidade de menino. Lentidão de bengala. De vez em quando alguém cai.

Em frente da minha janela mora uma árvore que é uma multidão. Acho chique quem sabe descobrir o nome das frutas só de olhar os galhos. Eu não sei, mas em dias de chuva ela parece uma Figueira. Em dias normais é meu pai. Ele gostava de vento.

26.6.09

Açúcar


Toda noite se perdia em Lua. Chegava sujo de esquina. Mesmo assim tirei os sapatos, cobri bem. “Dexa dexa”, melhor botar lenço, abrir torneira, brincar de melado. É manhã de fazer bala de coco, não de remoer garrafas.

Pegou os potes e foi bater goma no quintal, descalça. Jogava uma língua branca quente de mão pra mão. Fazia fumaça de calor e dedos vermelhos. Depois forno e toalha lisinha na mesa. Ele comia doce quando acordava. Nunca disse viço. Um dia pegou chapéu e não voltou. Virou mil velas e mudou o significado do açúcar.

23.6.09

Casas gostam de ter janelas


Casas gostam de ter janelas em Cachoeiro. Algumas fazem vista para paredes muito bonitas. Só em cidades pequenas sabe-se admirar sacadas e reconhecer os lugares pelas árvores.

Pessoas usam linho. Logo cedo, senhores levam passarinhos para cantar dentro de padarias. Senhoras saem de casa. Jogam água nas plantas e varrem calçada. Falam de vassoura na mão enquanto suas mangueiras viram um pequeno rio no canto da rua. Brincávamos de barco de papel ali. Ainda não sabíamos bicicleta.

17.6.09

Cadeiras não sabem sentar


Todo objeto quer virar gente. Na verdade, alguns quase são. Segunda-feira vi uma cadeira perdida em frente ao rio. Não me deu vontade de sentar, mas de abraçá-la. Era verde. Triste o fato de que nunca poderá ser azul, esperar um sábado, pedir café... Um divã não faz análise. Carro não olha paisagem. Avião não sabe que voa. Livro não lê. Coisas que já nasceram mortas.

16.6.09

Fico triste até de ver um eletrodoméstico desligado


Comprei uma caixa de lápis de cor e coloquei na bolsa para atrair coisas certas. Evito camisas pretas. Claro que não estou aqui só para ser feliz, mas existem paredes demais. Faço, penso e não sinto os dedos tocarem em nada. Os planos roubaram o tempo de ser. Brinquei de sonho. Confundi semente com flor. Amei mais nuvens que céu.

14.6.09

Fantasmas moram depois das dez


Existe a lenda de que nossa casa foi feita em cima de um cemitério de escravos. Eles moram ali, presos na cozinha e no segundo andar. Não vou nesses lugares. Também evito quartos e não subo a escada depois que escurece. Ando me protegendo com paredes e luzes acesas. Na divisão do mundo, vivos e mortos vem antes de pais e filhos. O fantasma chega antes do morto e o medo antes da saudade. Por isso eu estava tão nervoso. Quando sentei naquela cadeira de balanço vi um homem morto.