17.9.12

Depois

Caso queira me esconder, volto. Sei que a chave vai estar. Vaidade de quem não quer moribundar, cair. Melhor fracasso que vergonha me traga um pouco de sal. Bebi e sei que não faz diferença. De tanto amor tu me adoenta. Volto de não poder ir. É por isso que te bato. Cortei essa laranja e olhei nela um pedaço de luz. Fui eu e nem fui, Morreu dela. Eu nem morrer sei. Saudade é feijão. Eu sou esse pedaço de muito pouco. Quem não tem coração não deve mentir. Não leio, não li. Saiam daqui.

15.11.10

Deus é para onde coisas deveriam ter ido - editado


Para que o amor pudesse crescer, Deus inventou os erros.
Para que Deus pudesse mudar de idéia, fez sorte e acaso.
Dizem que se você sofrer muito Deus muda de idéia.
Eu prefiro a sorte de um amor que não muda.

Desejo é tempo parado. É o que o céu me roubou. Deus é soma de tudo, mas eu gostaria de escolher meus próprios pedaços. Queria um mundo feito de menos estrutura e mais mágica. Sinto raiva de todo destino que não passa de contemplação. Cada ser deveria ter o direito de se transformar no que gostaria de ser. Coisas agem para virar outras, mas desistem no caminho pelas imposições estruturais da matéria. Na verdade, o sonho do vento é ser árvore. Areia anseia ceiar o mar. Todo copo quer ser água. Laço borboleta. Saia ciranda. Paredes vidros. Vidros espelhos. Espelhos gente. Serpentina quer voar. Nuvem quer cair. Domingo passado eu quis que uma moça virasse flor. Não virou, aqui. No céu virou. Lá é o lugar onde as paredes continuam quando acabam. Onde se realiza o não realizado. Terra em que amores nunca querem ser outros e mulheres finalmente possam virar flores, apesar do domingo.

2.11.10

Bom dia!


Mundo se resolveu enquanto te cobria. Seus olhos fechados pedem um poema que ninguém faz. Acha que dorme, desfila! Perto da sua cabeça desenhei um sorriso. Depois pintei seus pés de azul e pedi que o céu viesse se buscar. Passei horas procurando estrelas pra botar no quarto. Elas cantam quando longe da Lua. Perto de você não cantaram. Fui ao corredor, espantei os nuncas. Depois de olhar pra você o melhor que tenho são meus olhos. Tirei os dois e te dei.

6.10.10

Gigantismo é premissa do ofício de cortejar



Ler suas mãos. Pentear seus cabelos. Te assistir provar um sapato. Trazer um copo de água, apagar luz. No banho. Entristecer por não ter impedido. Esperar telefone. Saber sua árvore favorita. Elogiar brincos. Inventar apelido. Acordar por saudade. Descascar fruta. Batizar pintas. Você me faz tanta companhia, e nem sabe. De casa pra padaria. Finais de livros. No teto do quarto. Outros rostos. Escada rolante. Carreguei tuas sacolas. Ajudar colocar cordão difícil. Queria esconder teus medos no meu corpo. Estudar teu silêncio. Imaginei teus pés para poder cobri-los. Vida vez em quando é desencontro. O máximo que podemos fazer é sentir saudade da pessoa certa: eu sinto.

Beijo nas paredes.

7.7.10

Comadre invisíveis


Ave Boazinha Roupa Colorida das Almas. Mundo virou e ela parada. Carrego até hoje essa mesma pedra invisíveis. A casa dela de grades brancas e meninos enterrando terra em garrafas de vidro verde, desses que não existem mais. Eu nove anos. Ela comadre rezadeira dos altos. Acreditava em Nossa Senhora e todos os santos direitinho.

Trouxemos o café preto e foi aceso. Estalou mão nos meus quatro cantos e beijou uma planta na boca. Abriu porta dos mortos com segurança do movimento. Recantou a luz e me despejou flores muito lindas. É pela ceguidão do inimigo. Vingança paralisada e certezas grossas. Caminho aberto no céu e chão. Vai silêncios e cuidado com os objetos e olhos. Se precisar deixar, volta.

6.7.10

Mãe preta


Lizete era breves. Cozinheira e lenços coloridos. O que ganhava dividia em dois. Metade dela, metade dele. Todo mês Zé Roberto aparecia, almoçava, banhava e ia. Mas em setembro sumiu. Foram dois anos varrendo casa sem cantar até doutor descobrir. O filho morto estava preso. Voltou. Magro. Morreu de AIDS. Desde então ela acabou. Até tentou se distrair com crediários. Comprou eletrodomésticos e discos do RPM. Depois não queria mais receber. Ia para rua distribuir dinheiro para meninos jogarem fliperama. No máximo ria de filmes de terror ou da bobissa dos pombos. Teve feridas nas pernas. Atendeu o telefone e cuspiu sangue. Morreu de mãe. Deixou na cômoda meses de salário enrolados no lenço preto que ela só usava nos dias de festa.

5.7.10

Corredor - sobre pedras e borboletas


Foi triste o fim dos ramalhetes, mas quem foi flor perde viço não. Agouro desaguou e hoje empurra. Suas mãos agora só levam por bonitos. Lembrança luz. Guardei tudo em garrafas de Coca-Cola e uso conforme. Noites salvam tardes. Manhãs amanhãs. Moedas serventia em dia pontes. Tempo sequer sabe o que vai ou fica. Travessia levou mãos, ganhei pés. Caminho maior que chegada. Faz frio, sono. Algumas coisas parecem ser mais azuis que deviam. Mas eu gosto de azul. Lamas minhas. Deixa. Do amargo se vê melhor o doce. Deve haver pão em algum lugar de minha mesa.